A OUSADIA DE TRANSFORMAR A REALIDADE
Conheça a trajetória do professor que é um dos personagens centrais do Prece, projeto que já colocou na Universidade mais de 500 estudantes do Interior
Cada um de nós compõe a sua história / Cada ser em si carrega o dom de ser capaz...”. A música de Almir Sater fala da capacidade de protagonismo do ser humano. Amante da natureza como Sater, o educador Manoel Andrade Neto, 51 anos, há quase 30 descobriu o poder de superação e a força de trabalhar em grupo, habilidades que nenhuma escola que frequentou foi capaz de ensinar. O aprendizado resultou de sua história pessoal, trilhada com inúmeras dificuldades, mas pontilhada por vitórias. Os desafios que enfrentou enquanto estudante vindo do Interior do Estado inspiraram a criação do Programa de Educação em Células Cooperativas (Prece), há 17 anos, e que hoje está presente em oito municípios cearenses.
Arredio a personalismos, a primeira lição que Andrade ensina é que não é protagonista nem a principal referência do Prece. Faz questão de dizer que a história de construção das células cooperativas foi escrita por muitos e que ele foi apenas o canalizador desse processo. O programa ajuda as pessoas do Interior a se prepararem para conquistar uma vaga na universidade.
Doutor em Química Orgânica, se inspira na Matemática para ensinar que o todo é maior quando se soma as partes e que, quanto mais se multiplica esse modelo, a experiência torna-se mais próspera. O educador parece ter olhos mais adiante, vislumbrando uma educação que ultrapasse os muros acadêmicos, porque transcende o cognitivo para ir além e trabalhar o relacionamento em grupo, a liderança, a autonomia, noções que, com certeza, a universidade do futuro deve reforçar.
Andrade nasceu em Fortaleza, mas o cordão umbilical ficou em Pentecoste, município do Vale do Curu situado a cerca de 90 quilômetros da Capital cearense. Dos avós herdou a realidade dura da seca, que expulsou o clã do Vale do Curu em meados dos anos de 1940. Fugiram do torrão em busca de uma vida melhor na cidade grande. Mas a cidade tornara-se grande demais para um adolescente que mal tinha como manter os estudos e não se identificara com nenhuma profissão. De vendedor a jardineiro, de tudo ele exercitou um pouco em busca de um sonho.
Embora a determinação em entrar na universidade fosse forte, há 30 anos um menino pobre do Interior não ousava sonhar com o Ensino Superior. Como sonhar, se nunca tinha visto ou entrado numa universidade? Assim, ele ainda hoje retém na memória a primeira vez que visitou o Campus do Pici. E ainda hoje se emociona...
Essa vontade o impulsionou a participar de um grupo de estudos quando adolescente, em Fortaleza. Ninguém apostaria que, de um pequeno grupo de meia dúzia de estudantes, um conseguisse ser aprovado no vestibular da UFC. Passou de primeira para Química. De graduado, a mestre, de doutor a professor da Universidade.
Hoje os alunos do Prece sabem de cor o que querem fazer da vida. Mas a lição que ficou disso tudo é que os desafios podem e devem ser superados. E depois de superados, devem ser compartilhados para transformar a realidade. De preferência, a da cidade de origem. “Eu fui movido por uma paixão, por uma comunidade e por uma responsabilidade social”, lembra o professor. “Criei uma ambiência onde eles superaram suas dificuldades e se deram apoio”, explica.
Essa é a filosofia do Prece, que já contabiliza mais de 500 estudantes beneficiados com esse modelo, quase a metade frequentando a UFC. “Filhos de pescadores, de lavradores, que fazem a diferença em suas comunidades e mostram para o outro que ele também pode”, complementa Andrade. “O Prece fez com que várias pessoas de nossa família entrassem na universidade”, revela o professor sobre o programa que começou numa casa de farinha desativada de Pentecoste. Em parceria com a Seduc, Andrade tenta tornar o projeto uma política pública estadual.
O Prece gerou outra semente, que germina nos solos acadêmicos: o Programa de Aprendizagem Cooperativa, o qual reforça a importância do trabalho em grupo para a superação das dificuldades pedagógicas dos estudantes. Hoje são cerca de 250 universitários que participam desse programa, implantado pela Pró-Reitoria de Graduação da UFC, e que tem como meta reduzir a evasão na Universidade.
O próximo passo é montar o Memorial do Prece, que contará a trajetória do projeto que ajuda os jovens a ter autonomia. “Quando as pessoas se juntam, elas superam suas dificuldades. A gente não quer só gerar capital intelectual, a gente quer gerar também capital social e desenvolvimento local, que requer pessoas comprometidas”, finaliza Andrade.
E como diz Almir Sater na música do começo da matéria, “é preciso amor pra poder pulsar/ É preciso paz pra poder sorrir/ É preciso a chuva para florir”.
Jornal da UFC ANO 8 Julho/Agosto 2011 Nº39
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