terça-feira, 4 de outubro de 2011


O mesmo ‘deixa que eu deixo’ de sempre




Horas antes do duelo entre Vasco e Corinthians neste domingo, um ônibus que levava torcedores organizados da equipe paulista foi vítima de uma emboscada na Rodovia Presidente Dutra, já Rio de Janeiro: paus, pedras e até, acredite, um tiro de fuzil atingiram a lataria do veículo. A confusão absurda reacende a discussão: afinal, de quem é a culpa nisso tudo?
As torcidas uniformizadas são, por motivos óbvios, consideradas órgãos de extremismo. Na maioria das vezes, são associadas à violência cometida por alguns de seus membros. E para quem não entendeu até agora o porquê da briga (não que qualquer argumento seja plausível, muito pelo contrário): a Força Jovem do Vasco é grande aliada da Mancha Alviverde, maior organizada do Palmeiras, na chamada União Dedo pro Alto (da qual a Galoucura, do Atlético-MG, também faz parte).
A intolerância entre corintianos e vascaínos não é nova. Para citar somente o confronto mais recente, quem não se lembra do ônibus cruzmaltino incendiado às portas do Pacaembu? Na ocasião, antes da partida entre o Timão e o Gigante da Colina, válida pelo jogo de volta da semifinal da Copa do Brasil, um corintiano foi assassinado brutalmente nas proximidades da Praça Campo de Bagatelle, na zona norte paulistana.

Ônibus queimado, torcedor morto... E ninguém levou a culpa
Clayton Ferreira de Souza tinha 27 anos e foi espancado até a morte. "Levaram tudo do meu irmão, ficou como um bicho atropelado na rua. Está todo deformado, só de meia e cueca. Foi um animal que fez isso. Só animal para espancar uma pessoa até a morte", disse o irmão dele, Amarildo José de Souza, após reconhecer, à muita custa, o corpo do familiar.
Eis o primeiro grande problema: ação-reação e impunidade. Há décadas, uma ataca a outra com o argumento de que 'naquela vez, em mil novecentos e tantos, vocês fizeram isso, fizeram aquilo'. Os dois lados sempre terão como justificativa uma ação passada de sua inimiga. E ninguém é punido nisso tudo. Ou alguém aí viu os responsáveis pelo assassinato de Clayton serem presos e afastados de uma vez por todas da sociedade?
Durante algumas semanas, vira assunto de bar, de pseudo-engajados e entendedores efêmeros de futebol. 'Isso não pode acontecer, torcida organizada é coisa de animal, temos que bani-los dos estádios'. Depois, simplesmente deixam pra lá. E a única coisa que fica, definitiva e indubitavelmente, é a dor dos familiares. Culpar uma entidade de milhares de membros por um ato de selvageria como o que vimos neste fim de semana é uma desonra a quem já foi vítima de criminosos pontuais.
Esclareço: na minha opinião, a culpa não é da organizada. Se um indivíduo veste a camisa de qualquer órgão que remeta à coletividade e comete absurdos, ele é quem deve ser punido como cidadão, enquadrado na Lei como qualquer outro que a transgredir. Claro, a torcida tem como obrigação identificar o responsável e puni-lo com a expulsão, para que a imagem da entidade não fique ainda mais manchada. Mas de que adianta, se o restante dos envolvidos é conivente com o sistema?
O problema passa também pelo despreparo policial. Em vídeo gravado pelo Sportv na confusão deste domingo, é possível ver um homem fardado atacando sem qualquer motivo um torcedor do Corinthians, arrancando-lhe os óculos escuros e jogando no chão. Abuso de poder virou 'arroz de festa'. Já vi muito disso de perto e posso afirmar com propriedade.
A maioria dos que viajaram de São Paulo ao Rio de Janeiro para assistir ao jogo entraram somente no segundo tempo, retidos pela Polícia. Pra que segurar os corintianos fora do estádio, sendo que dentro dele estariam isolados e, consequentemente, afastados de confusões? É cômodo dizer que os organizados foram os responsáveis pelas brigas, mas fazer algo de inteligente para evitá-las, que é bom, nada.
Eu poderia listar aqui pelo menos 20 confusões entre torcidas na Dutra. Alguém pode me responder, então, por que insistem em deixar que torcedores trafeguem ali sem escolta? No próprio caso do Clayton, em 2009, o promotor Paulo Castilho disse que 22 homens da PM guarneciam a comitiva vascaína na Marginal. Fato negado pelos cruzmaltinos envolvidos na ocasião e que nos leva a refletir como nenhum dos 22 viu um cidadão ser espancado até a morte em uma praça rodeada por trânsito 24 horas por dia.
Banir as torcidas organizadas dos estádios acreditando que isso acabará com a violência no futebol brasileiro é de uma ignorância sem tamanho. Falta foco nas investigações e discernimento para muita gente. Bandido a gente vê em todo lugar, inclusive representando aqueles que deveriam ser exemplo para a sociedade. Mas daí até acabar com a hipocrisia, há um (muito) longo caminho...
*Rodrigo Faber é jornalista do Yahoo! Esportes e estuda o fenômeno das torcidas organizadas no Brasil há seis anos.

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